D. João é um texto absolutamente contemporâneo, ao introduzir uma distância do espectador em relação à personagem que funciona numa dupla cena, a da verdade, na sua relação com Esganarelo, quando se exprime de acordo com o seu pensamento, e a do fingimento, na sua relação quer com as mulheres quer com o pai. Isto não deve surpreender vindo de um homem que tem, para com o teatro, uma atitude profundamente reflexiva, como podemos ver nesse surpreendente O Improviso de Versalhes, em que é o próprio autor (Molière) a desdobrar-se entre si próprio e a personagem que representa o autor, sendo ele ao mesmo tempo actor. Este jogo de espelhos e desdobramentos cria, portanto, toda uma ilusória e festiva representação do homem, que justifica plenamente a universalidade do mito donjuanesco. O que Molière faz, no entanto, é acrescentar a esta figura um cinismo interior que o converte num paradigma do oportunismo universal, explorando sem escrúpulos os que o rodeiam, desde o pai até ao servo, passando pelo homem que lhe empresta dinheiro. Deste modo, D. João vai sobrevivendo neste mundo, acabando por ser vítima do fantasma do Comendador, a quem provoca para pôr à prova a sua total descrença em qualquer fé ou futuro.
Nuno Júdice – Manual de Leitura D. João, TNSJ, 2006
Das edições do TNSJ, que incluem um vasto leque de DVDs, CDs e livros que reflectem o empenho desta Casa em disponibilizar o registo de algumas das suas produções, às inovadoras peças de merchandising – construídas com o que em tempos foram materiais de divulgação –, a Loja do Teatro oferece uma diversidade de suportes que são, em grande parte, o prolongar das memórias dos espectáculos apresentados.