“Os homens são matéria facilmente inflamável.” Em Cara de Fogo, Marius von Mayenburg parte deste singelo princípio para construir, na sua linguagem de palavra rara e densa, a mais estranha de todas as personagens – aquela onde confluem todas as formas de piromania. Incesto, parricídio, a vertigem do fogo, um labirinto caótico onde cabe todo o presente e entre cujas linhas o dramaturgo não desiste de encontrar um sentido.
Os homens são matéria facilmente inflamável, escreveu ele sobre um pedaço de papel, e os médicos perguntam-lhe o que significa isso. É preciso que tudo arda. É preciso que tudo arda, sempre, em qualquer estação. Mas quando chega o Natal e as pessoas instalam árvores nas suas salas e lhes penduram enfeites, então é pior: um incêndio florestal em cada apartamento e em cada armazém, chamas contorcem-se por todos os lados e ele não sabe para onde desviar os olhos. Depois, há inícios de incêndios pela cidade, por todo o lado e todos os dias, às vezes dois por dia. Ele lê o jornal e quando, uma vez por outra, num qualquer país estrangeiro, uma casa arde completamente ou uma floresta se incendeia, ou um camião-cisterna se pulveriza em nuvens de fogo no meio das detonações, ele diz tranquilamente: eu faria melhor. Os seus cabelos estão queimados até ao crânio, a sua cara é uma cicatriz viva, há pedaços mortos na sua boca, quando come, a sua língua está calcinada, ele bebe álcool combustível e diz: eu sou o cuspidor de fogo, eu sou o primeiro homem, eu trago-vos o fogo.
Marius von Mayenburg
Das edições do TNSJ, que incluem um vasto leque de DVDs, CDs e livros que reflectem o empenho desta Casa em disponibilizar o registo de algumas das suas produções, às inovadoras peças de merchandising – construídas com o que em tempos foram materiais de divulgação –, a Loja do Teatro oferece uma diversidade de suportes que são, em grande parte, o prolongar das memórias dos espectáculos apresentados.