“Este relógio não tem descanso?”, pergunta Danton, o tempo acelera, a História parece começar violentamente de novo, é esse o sentido primeiro de “revolução”, enfrentar o problema do começo. A Morte de Danton (1835) mergulha-nos no caos poético e sangrento da Revolução Francesa, mas esta peça é também ela revolucionária. Georg Büchner opera uma feroz fragmentação da forma teatral tradicional, lançando cenas curtas e longas, agitadas e meditativas num entrechocado fluxo narrativo que antecipa a montagem cinematográfica. É com ela que Nuno Cardoso inaugura uma nova temporada, a primeira enquanto diretor artístico do TNSJ. Através dela, o encenador vê um corpo social em permanente estado de convulsão e decomposição, uma irrefreável orgia de carne humana. Mas as ruas de Paris, em 1789, são as mesmas por onde corre agora a revolta dos Coletes Amarelos. Ruas que desaguam nas margens do Mediterrâneo ou do Rio Grande, no regresso dos muros, na potência do ódio, no avanço dos populismos. “Tão maus os tempos que correm. Quem poderá fugir-lhes?” Como pensar o tempo revolucionário neste tempo sem esperança em que vivemos? A Morte de Danton não deixou nunca de nos confrontar com perguntas difíceis, terríveis. “Que importa se é de uma epidemia que se morre ou de uma revolução?” “Até quando continuará a humanidade a devorar o seu próprio corpo?” “Este relógio não tem descanso?”